sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

O Pacote de Tia Carminha



Tia Carminha era prima-irmã do meu avô. Morava em um apartamentinho em Porto Alegre, bem no centro, na Rua Andrade Neves. Eu até trabalhei de Office-boy numa firma, bem aí nessa rua. Na frente do prédio dela tinha uma trattoria, sabe, aquele restaurante italiano. Ah, como eu comia macarronada com polpetas...
Essa minha tia era viúva e vivia solita. Foi casada com um sujeito muito mais velho, que inclusive, tinha sido diretor da Caixa Econômica Federal. Então, tinha uma boa pensão e era uma pessoa muito boa. Gostava de ajudar a todo mundo. Emprestava dinheiro pros desempregados, amparava as colegas de viuvez, consertava roupa usada para dar aos pobres, fazia enxoval de bebê...
E por ser muito dada, muito simpática, falava com todo mundo e era conhecida a sua figura franzina, de cabelo armado, bem branquinho, desses que chegam a ficar azulado, sempre arrumadinha, sempre empoada.
Um dia a dona Carminha desceu à rua com um pacote muito grande. Uma caixa embrulhada em papel vermelho, amarrada com laço de fita e tudo. Parou naquele bequinho que tem antes da Borges de Medeiros, que desce pra rua da Praia. Do outro lado da rua ficava o centro de exposições das telecomunicações, em forma de mata-borrão. Em 1972 armaram o maior aparato para a primeira transmissão de TV a cores - eu vi!  Não me recordo o nome do beco, mas sei que tinha uma tabacaria na esquina. Lembro do cheiro dos tabacos, da plaquinha dos charutos Suerdick, das caixas de havanas. O cheirinho bom  mesmo devia vir dos fumos de cachimbo. Eu nem sei como um hábito tão asqueroso como esse de fumar já foi tão comum e até considerado chique!
E a tia estava ali se informando do itinerário dos bondes quando um sujeitinho, muito solícito, se ofereceu para segurar o pacote. De terninho branco, bigodinho aparado, sapato de duas cores, pediu um maço de Continental liso, fez jeito de quem ia pegar dinheiro, mas depois disse que ia devolver porque estava sem troco. A tia Carminha então disse:
- não, meu filho, deixa que eu pago.
 Ele protestou:
- imagine, não se incomode!
- eu tenho aqui, deixa, disse ela.
Então ele aceitou agradecendo e prometendo devolver depois e aquela coisa e tal. E foram conversando mais um pouco até que ele pediu licença um segundinho, só para trancar o auto, que ele iria acompanhá-la até a parada dos bondes, que não se preocupasse, que seria um imenso prazer, que ele já voltava... E se foi com o pacote da tia Carminha. E ela ficou ali conversando, o tempo passando, e nada do sujeitinho voltar. O dono da tabacaria, desconfiando, mandou o balconista lá fora procurar o sujeito. E foram mais dois, um pra cada lado, e foi juntando gente,  os porteiros dos prédios, as vendedoras da sapataria, o bilheteiro. Ninguém sabia mais do camarada. Ainda falavam, mas como que sumiu, um indivíduo de terno branco com um pacote vermelho?
Mas sumiu, se foi e não voltou. Até os Pedro e Paulo apareceram:
- a senhora tem que dar queixa, registrar a ocorrência, descrever o meliante.
E a tia Carminha, morrendo de rir:
- deixe que esse me fez um grande favor sem querer.
- mas como, dona Carminha? O vigarista levou o seu pacote!
E ela:
- eu só queria ver a cara dele, a surpresa quando abrir o pacote.
Nisso todo mundo silenciou para ouvir o que tinha dentro daquele lindo embrulho:
- o meu cachorrinho pequinês velhinho, que morreu esta noite. Eu tava pensando o que fazer, e ia levar pra jogar num descampado.

Bondes de Porto Alegre





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