sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

EXPERTO EM MULHER



            O pouco que aprendi sobre as mulheres, na adolescência, foi meu avô quem me ensinou. Depois fiz uns aprofundamentos com a revista Nova. Eu digo pouco, porque por mais que se estude, ou se viva com uma ou com várias, a gente, bicho homem, jamais consegue compreender os seus mistérios. Elas sempre nos surpreendem. Pois o meu querido avô, que foi homem de muitas mulheres, e com todas delicado e atento, me disse certa vez:
            - não te preocupa com isso. As mulheres são loucas para ser amadas, não compreendidas!
            Pero que si, pero que no, descobri depois, já adulto, que o tio Zaia foi um experto nessa matéria. E o soube pela própria parte interessada: a esposa. Tia Carminha concordou em me conceder uma entrevista, íntima e pessoal, para minha monografia de graduação em Ciências do Amor. Não, esse curso não tem na UFRGS, nem na PUC, mas deveria de ter, pois se estuda pra tudo neste mundo, menos pra ser feliz. E quem é que pode ser feliz sem amor?
            Passei muitas tardes de inverno gravando a história de um grande amor do passado. Além do que ela me contou na ocasião, há os cadernos e cartas que recebi mais tarde, de herança, em um baú de pinho de riga com lindas incrustações florais, onde se lêem máximas de sabedoria de vida como esta:

Mulheres são seres maravilhosos, quando tratadas com gentileza. Pequenas atenções e delicadezas fazem com que elas funcionem magnificamente bem.”

            Noves fora, o tom machista anos 1930, a escrita, a nanquim, é impecável. As iniciais desenhadas com arabescos ainda brilham e sente-se o relevo nas folhas já amareladas. Eu como pesquisador e historiador da família, tive o privilégio de ver, de tocar, de ler e ouvir os poemas, as cartas e pensamentos.

Grande cousa é o amor.
Grande e absoluto bem para a vida e para a morte!
Torna leve o que é pesado;
Esclarece o que parece sombrio
E apaga a tristeza de nossos corações.
Aligeira os sofrimentos que nos torturam
E faz desaparecerem as mágoas
Que nos entenebrecem a existência.
O amor quer ser livre e alheio
A todos os interesses materiais.
Para dominar a vida
Procura colocar-se acima da própria vida.
Nada mais doce,
Nada mais forte,
Nada mais sublime do que o amor.
O amor é o acabamento
Com que Deus achou acertado
Dar por finda a perfeição de sua obra!

- Ele não só escrevia essas coisas lindas, mas as praticava comigo, dizia tia Carminha. Fez de mim uma mulher completa, segura e indescritivelmente, bem amada.
            E ela falava isso inclinando um pouquinho a cabeça, e lançando o olhar no passado distante. A felicidade vivida não saiu jamais do seu olhar.
Tomando o microfone da minha mão, ela mesma fazia as perguntas e as respondia:
- Ás vezes eu perguntava pra ele: meu bem, como é que você sabe tudo do meu corpo? E ele me dizia com o olhar malicioso: está tudo escrito. É uma linguagem assim como o braille, só que mais aperfeiçoada. Leio os teus olhos, o jeito da tua boca, a respiração, os sussurros, o retesar dos músculos, sinto a tua pele, os arrepios, a temperatura, a umidade, o cheiro... Tudo isso me mostra a fêmea excepcional, e os seus secretos desejos.
“Como encadernação vistosa, feita para iletrados a mulher se enfeita, mas ela é um livro místico e somente a alguns, a quem tal graça se concede, é dado lê-la.”
            Licença para tocar Elegia, do meu LP Cinema Transcendental do Caetano Veloso, de 1979 - quando Caetano veio com o milho, o Zaia já estava voltando com o fubá.
Aí, como se notasse o meu queixo caído, Dona Carmem me falava meneando a cabeça entre caras e bocas, e ainda me dava um tapinha no braço, pra selar:
-Na cama ele me tratava por fêmea, e me enlouquecia!
            Nunca percebi rubor nas faces da tia Carminha, nem mesmo nas revelações mais quentes. Eu é que ficava embasbacado, descobrindo a força de um amor, a presença de um amante que permanecia desafiando o tempo. Eu, como acredito que o mundo é feito de histórias, além de poeira de estrelas, nunca dei contra.
            E mesmo assim, sabe como são essas coisas de família, em matéria de gozação ninguém dá refresco - contam que quando o tio Zaia foi desenganado pelos médicos, tia Carminha falou delicada ao marido:
            - Querido, quando um de nós morrer vou vender esta casa e me mudar para um apartamento.



Pinho de Riga – madeira nobre européia
Nanquim – tinta negra para desenho a bico de pena




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