quarta-feira, 17 de agosto de 2011

POLÍTICA E SOCIEDADE NO BRASIL COLONIAL



Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura bem como as atividades do país.

(Prado Jr., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 1ª. edição 1942. 17ª. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981, pp. 31-32.)



  

"O ser senhor de engenho é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos. E se for, qual deve ser, homem de cabedal e governo, bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionadamente se estimam os títulos entre os fidalgos do reino". (Antonil)

Jean-Baptist Debret. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil.
Senhor de engenho era um "título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos", nas palavras do cronista Antonil que viveu no século XVIII. Isto porque, além de poder eleger-se para a Câmara Municipal, ele era também o patriarca da família, a quem deviam obedecer não apenas os empregados e os escravos, mas o restante da família. Era o pai, o chefe da família, que decidia o casamento dos filhos e o caminho que eles seguiriam. Freqüentemente lançando mão da violência, o senhor de engenho era respeitado e temido, não apenas pelos escravos, vítimas mais freqüentes de sua violência, mas pelos lavradores, feitores e todos os que estivessem à sua volta. Quanto mais homens estivessem sob seu controle, especialmente escravos, mais importante e respeitado ele era em meio à sociedade da região. A hierarquia era a marca desta sociedade, cujo valor maior era a propriedade de escravos e terras e o controle de todos os que vivessem no engenho.



O documento apresentado é do cronista padre jesuíta Antonil e foi publicado em 1711. Ele é bastante importante porque mostra a força dos senhores de engenho no Brasil colonial - um dos principais aspectos da aula que trata das relações de poder entre os colonos e o Estado português. Apesar da Coroa portuguesa ter criado aqui na colônia uma estrutura administrativa que procurava exercer e controlar o poder, os donos de terras e escravos, em especial os senhores de engenho, possuíam alguma autonomia. Eram os "homens bons".

Colonizar o Brasil não foi uma tarefa fácil para os portugueses. Em primeiro lugar, a Coroa portuguesa encontrava-se com graves problemas financeiros para empreender uma atividade do porte da colonização. Era preciso defender o território, montar os engenhos, que, como sabemos, incluía além das plantações, os equipamentos e os escravos. Diante desta situação e da necessidade de garantir a posse do território, a Coroa dividiu o território em 15 faixas de terra e doou-as a nobres e comerciantes abastados para que ocupassem, povoassem e defendessem o território. Os capitães donatários serão beneficiados por poderes administrativos e políticos de suas capitanias, embora nem toda a terra se torne propriedade deles, mas apenas alguns lotes. O restante será doado a homens que tenham recursos financeiros suficientes (cabedal) para compra de escravos e equipamentos para o engenho. Assim estas terras, as sesmarias, formarão as grandes propriedades produtoras de açúcar e seus donos, os senhores de engenho, vão aos poucos tornando-se personagens poderosos não só no interior de suas propriedades, mas no próprio município onde se localizavam suas terras.

A administração destes municípios estava nas mãos das Câmaras Municipais, cujos membros eram os "homens bons" da colônia, ou seja, os representantes dos senhores de engenho. Mesmo com a instituição do Governo-Geral por Portugal em 1548, as câmaras não perderam o seu poder. Criado especialmente para promover a defesa do território contra as constantes incursões de outros países europeus e dos ataques indígenas e para auxiliar os donatários em dificuldades, o Governo-Geral será instalado na cidade de Salvador, num ponto central do litoral colonial, e tentará reduzir o espaço de poder dos grandes senhores. Mas esta tarefa era bastante difícil.

Os engenhos de açúcar, incentivadores dos primeiros núcleos de povoamento na colônia, não eram apenas unidades de exploração econômica, mas também verdadeiros centros de poder. Temido e respeitado por todos, o senhor de engenho ocupava o topo da hierarquia da sociedade, seguido de sua família, seus funcionários, os lavradores e por fim os escravos que não tinham direito algum. A família patriarcal, onde o pai - patriarca - decidia o destino de todos de sua família e todos os que habitavam os arredores de sua propriedade, será a base desta sociedade colonial especialmente no que diz respeito à região açucareira.

Ao longo de toda a colonização, a metrópole vai tentar impor sua administração para garantir o monopólio do comércio e produção coloniais. Com a descoberta dos metais, nas terras do atual Estado de Minas Gerais, Portugal montou um sistema administrativo baseado na fiscalização rígida e constante. Esta centralização administrativa será consolidada, principalmente, pelo Marquês de Pombal (primeiro ministro do rei português) a partir de 1750. O centro administrativo da Colônia é transferido de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763, já que esta cidade era o porto mais próximo da região mineradora. As capitanias particulares da região foram extintas e ficaram sob controle direto da metrópole; os jesuítas foram expulsos da colônia; e foram criadas as Companhias de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e a de Pernambuco e Bahia, que sofreriam forte oposição dos colonos até serem extintas. As companhias de comércio visarem estimular e controlar, através do monopólio, as atividades destas áreas, criando um conflito entre os comerciantes privilegiados pela Coroa portuguesa e os comerciantes locais. Também são deste período os tratados entre Portugal e a Espanha para negociar as fronteiras do território colonial; o mapa do Brasil colonial se aproximará oficialmente, pela primeira vez, do Brasil atual.



Todas estas tentativas de aumentar o controle sobre a colônia colocaram freqüentemente em lados opostos o colonizador (representante direto da metrópole), seja ele funcionário da Coroa ou comerciante português, e o colono (senhores de engenho, os donos das minas, os fazendeiros de gado). Uma oposição facilitada pela dispersão administrativa dos primeiros tempos coloniais, provocada em parte pelo próprio sistema de capitanias hereditárias e em parte pela extensão do território e o consequente isolamento das capitanias.

Muitas ordens da metrópole eram desobedecidas e muitos colonos desafiavam o seu poder. Mesmo assim, Portugal conseguiu impor sua dominação e inserir o Brasil na lógica mercantil, ainda que tivesse que enfrentar e debelar rebeliões como a Conjuração Mineira e a Conjuração Baiana.

O que se deve entender
A estrutura administrativa montada por Portugal no início do processo de colonização.

O poder dos homens bons e da família patriarcal, que fazia com que senhor de engenho fosse, no dizer de Antonil, "título a que muitos aspiram".

A centralização administrativa do Marquês de Pombal, relacionada à importância da descoberta dos metais preciosos, um grande sonho português desde a chegada ao Brasil.

A mudança do centro administrativo colonial e o novo mapa do território colonial português.



Como, de tão longe, a metrópole portuguesa organizava o governo de sua colônia na América?


A Sociedade Colonial: Poder e Hierarquia.

Não era nada fácil possuir colônias na Época Moderna (Sécs. XVI, XVII e XVIII). Era necessário criar uma organização que garantisse, ao mesmo tempo, a posse e a exploração das colônias.

Capitanias e Governo Geral

Quando, por volta de 1530, Portugal decidiu colonizar de fato o Brasil, a monarquia portuguesa encontrava-se com graves problemas financeiros, não possuindo, portanto, o capital necessário para montar um sistema político-administrativo na colônia. A solução encontrada para a ocupação do território foi a doação de terras a nobres e comerciantes abastados de Portugal.
As terras que pertenciam à Coroa portuguesa pelo Tratado de Tordesilhas foram divididas em capitanias hereditárias, isto é, que se passavam de pai para filho.

Ao receber estas faixas de terra os donatários deveriam cuidar da defesa do território contra a invasão estrangeira e contra os ataques indígenas, enquanto recebiam uma série de vantagens para a montagem de engenhos de açúcar. Desta maneira, a Coroa portuguesa esperava resolver o problema da posse do território, constantemente atacado por outros países europeus e obtinha ao mesmo tempo uma rentável fonte de lucro: o açúcar. Para atrair os donatários para a colônia foram oferecidos a eles poderes políticos e administrativos. Embora eles não fossem os proprietários de todo o território da capitania, os capitães donatários eram encarregados de administrá-la. Poderiam doar pedaços de terra, as sesmarias, para aqueles que tivessem cabedal, isto é, recursos financeiros, e fossem católicos. Deveriam pagar impostos ao Rei, que tinha o monopólio de tudo o que fosse extraído na colônia, ou seja, metais preciosos, madeiras ervas etc.

O sistema de Capitanias Hereditárias permitia à Coroa dividir com particulares o custo da colonização e administração das novas terras. Mas todos os poderes eram vistos como concessão real. E, portanto, todos tinham que pagar impostos ao Rei de Portugal.


Não foi fácil para os primeiros colonos portugueses se estabeleceram no Novo Mundo. Entravam em conflito com os indígenas não cristianizados, buscando escravizá-los, mas, muitas vezes, estavam em minoria e eram derrotados. Apenas aquelas capitanias cujos colonos tinham mais recursos para construir engenhos e combater os ameríndios (gentios - como então eram chamados) se firmaram. A presença jesuíta e a escravização de índios cristianizados garantiam a ocupação portuguesa em São Vicente. A proximidade da Europa e os maiores recursos aplicados na construção de engenhos e na compra de escravos africanos - e também a violência e determinação com que combateram os nativos que lhes eram hostis, fizeram de Pernambuco região pioneira na formação da sociedade escravista das Américas.

As demais capitanias não prosperaram. Muitas delas não chegaram sequer a ser ocupadas.

O sistema de capitanias acabou, portanto, promovendo a dispersão administrativa, facilitada por um território extenso e pela dificuldade de comunicação entre as duas regiões efetivamente ocupadas, que viviam isoladas uma das outra. Para Portugal era difícil controlar a colônia e para os colonos estava difícil arcar com todas as dificuldades da colonização. Diante desta situação, foi criado, em 1548, o Governo-Geral, com sede em Salvador, para defender o território dos ataques externos e internos e auxiliar os donatários que estivessem em dificuldades. Várias medidas foram tomadas também no sentido de reduzir a autonomia dos colonos, como, por exemplo, a proibição de ocupar o interior sem uma licença real, o que nem sempre era respeitado. A tentativa de manter a colonização no litoral para facilitar a vigilância da metrópole, assim como a escolha de Salvador como sede do Governo-Geral, a meio caminho entre o norte e o sul da colônia, nem sempre restringiram o isolamento em que viviam os colonos ou sua autonomia e poder em algumas regiões.

Mas de onde vinham esses poderes?

O Poder dos "Homens Bons"

A importância dos engenhos na economia colonial, especialmente na sua fase inicial, não era apenas econômica, mas também política. À medida que os engenhos se desenvolviam, especialmente na Capitania de Pernambuco, foram-se fundando as vilas, que deram origem aos municípios. Os senhores de engenho ganhavam cada vez mais prestígio e se faziam representar nas Câmaras Municipais que tinham como objetivo administrar o município e todo o seu patrimônio. Elas eram compostas pelos "homens bons", ou seja, os representantes dos proprietários de terras e escravos e constituíam o poder político-administrativo dos colonos, que muitas vezes entraram em conflito com os poderes da metrópole.


Em primeiro lugar, estava o patriarca seguido de sua família e, por fim, os empregados e escravos. Este poder não se restringia ao engenho, estendendo-se até as vilas através das câmaras.


As Reformas Pombalinas

Na segunda metade do século XVIII,  Marquês de Pombal, este “super-ministro”   de Dom José I , dedicou-se a  modernizar a administração pública de Portugal e a aumentar ao máximo os lucros provenientes da exploração colonial.
Com a descoberta das minas, nas terras do atual Estado de Minas Gerais, Portugal montou um sistema administrativo baseado numa fiscalização rígida e constante. Esta centralização administrativa foi consolidada, principalmente, pelo Marquês de Pombal (primeiro ministro do rei de Portugal) a partir de 1750. O centro administrativo da Colônia deixou Salvador, sendo transferido para a cidade do Rio de Janeiro, em 1763 (mais próximo da região mineradora). As capitanias particulares da região foram extintas e ficaram sob controle direto da metrópole; foram criadas as Companhias de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e de Pernambuco e Bahia (que sofreram forte oposição dos colonos destas capitanias até serem extintas). As companhias de comércio visavam estimular e controlar, através do monopólio, as atividades destas áreas. Os jesuítas, verdadeiros colonizadores concorrentes na região Amazônica, foram expulsos da colônia. As fronteiras com a América Espanhola foram negociadas e o mapa do Brasil Colonial se aproximará oficialmente, pela primeira vez, do Brasil atual.












Ao longo do século XVIII a região açúcareira foi perdendo cada vez mais sua importância para a metrópole, sendo superada pela região mineradora; mas o poder das famílias patriarcais não terminou; os senhores de engenho ainda eram temidos e respeitados pela população. Enquanto isso, no centro-sul, a cobrança de impostos pela metrópole se tornou cada vez mais forte e o pacto colonial começou a se tornar um problema para os colonos desta região.


Outras Leituras
• Ângela Mendes de Almeida – Notas sobre a família no Brasil. In:Pensando a família no Brasil (Seminário).
• Gilberto Freyre – Casa Grande & Senzala.
• Gilberto Freyre – Sobrados e Mocambos.
• Sérgio Buarque de Holanda – Raízes do Brasil.

































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